Segundo especialistas, barragens como a de Brumadinho exigem manutenção e trabalho por mais tempo do que a duração de uma vida profissional.

Após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), que deixou até o momento 99 mortos e 259 desaparecidos, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, anunciou que a empresa vai paralisar operações equivalentes a 10% de sua produção anual de minério de ferro.

A medida representa apenas 10 barragens da Vale similares à que causou a tragédia na sexta-feira passada (25), que usam a técnica chamada de empilhamento ao montante, que consiste na ampliação do limite de armazenamento da barragem fazendo novos níveis para cima.

Segundo o relatório de segurança de barragens da Agência Nacional das Águas de 2017, a mineradora possui 175 barragens. Dessas, 56 foram classificadas com risco de “alto dano potencial associado”.

Mesmo com o encerramento da atividade mineradora, Carlos Barreira Martinez, professor titular da Universidade Federal de Itajubá e da pós-graduação de engenharia mecânica na Universidade Federal de Minas Gerais, aponta que o trabalho para garantir a segurança dessas estruturas ainda não acabou.

“Barragens já existentes precisam de manutenção para o resto da vida. Mesmo descomissionadas, ainda dão trabalho para no mínimo 50 anos. Isso é mais do que a duração de uma vida profissional. Esse modelo de barragem era muito comum na década de 70, hoje é evitado por ter apresentado problemas”, comenta o professor, que diz em sala de aula que não usaria o modelo de montante.

De acordo com o professor, obras de grande tamanho e impacto demandam uma equipe diversa de especialistas, envolvendo o trabalho de engenheiros civis, geólogos, engenheiros de minas, especialistas de meio ambiente, biólogos, sociólogos e engenheiros hidráulicos.

O trabalho começa antes da construção, com a análise de impacto para que a obra seja aprovada e instalada, e permanece até o fim da atividade mineradora. “A segurança nesse sistema precisa estar acima de tudo. Se em uma obra é inviável garantir a segurança, então todo o projeto é inviável”, diz ele.

Martinez leciona a disciplina optativa de segurança de barragens na Universidade Federal de Itajubá, onde ela existe há um ano. Nas aulas, os alunos de engenharia aprendem sobre tipos de estrutura, como se faz uma inspeção de barragens, a identificação de características de deterioração do concreto e do solo, deslocamentos e processos de ruptura.

Além disso, o professor aborda planos de ação emergenciais e como deve ser feita a reabilitação de barragens.

“Com esse conteúdo, o profissional chega ao trabalho de campo com outra visão. Profissionais assim serão mais necessários ainda agora. Achei que não íamos ter alunos, mas a procura pela matéria foi grande”, fala o professor.

O ex-aluno do professor Martinez, Igor Gonzaga, de 25 anos, vai se formar ainda este ano em Engenharia Hídrica na Universidade Federal de Itajubá e está fazendo seu primeiro estágio, onde irá trabalhar com uma barragem hidráulica.

Para ele, a disciplina não-obrigatória fez toda a diferença e o convenceu que gostaria de seguir carreira na área. Diante da recente tragédia em Minas Gerais, ele acredita que todos os alunos de engenharia deveriam ter a matéria como parte do curso.

Hoje, apenas três universidades oferecem a disciplina específica sobre segurança de barragem: a Universidade Federal de Itajubá, a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Sobre suas expectativas para a área, o universitário espera que as empresas comecem a observar as barragens como um potencial passivo para desastres e aprendam com o que aconteceu em Mariana e Brumadinho. “Espero que aumente a importância da fiscalização e de um bom serviço de segurança”, diz.

“Conhecimento técnico nós temos, o que está faltando é que as empresas envolvidas queiram adotar o que essas pessoas de primeira linha recomendam”, fala o professor Martinez.